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Entre os muitos modelos de comunidade terapêutica em funcionamento hoje no Brasil, podemos encontrar inúmeros exemplos que, apesar das dificuldades e desafios, se mantém firmes no propósito de tratar e recuperar dependentes químicos. Um desses exemplos é a Associação Promocional Vida Nova-Horto de Deus, em Monte Alto (SP), entidade independente e ecumênica que desenvolve seus trabalhos na cidade e região há quase vinte anos.
A ideia inicial era criar centro local para tratamento e recuperação dos males causados pelas drogas e álcool. Foi com esse objetivo que, em 1995, a partir das reuniões de um grupo pioneiro de Amor Exigente, o casal João e Maria do Carmo Garbin começou a visitar pessoas e disseminar a proposta. Encontraram muitos aliados, especialmente em pessoas que já participavam das reuniões ou já haviam tido problemas na família.
Depois de alguns meses, um grupo de voluntários se formou em torno do casal Garbin, como Izildo José Pedroso, Wagner Oliveira e outros. Juntos, eles conseguiram uma área próxima à cidade, cedida em comodato pela família do industrial Alcides Cestari.
Depois de definido o local, a entidade foi criada e inúmeras campanhas passaram a ser realizadas na cidade, para a construção e acabamento das instalações do Horto. Três anos depois a primeira turma de internos pode dar início ao acolhimento e tratamento naquela instituição.
“Hoje o Horto de Deus é minha segunda casa”, diz Nelson Zaupa Jr. “E só conseguimos enfrentar e vencer as dificuldades que surgiram nesses vinte anos porque entendemos que esta é uma missão de vida”.
Hoje a casa tem capacidade para 32 homens, a partir de 18 anos, distribuídos em quartos quádruplos. Para cuidar de toda a rotina, uma média de oito funcionários se reveza para atender os residentes e cuidar da manutenção da estrutura física do local, distribuída em 5,5 alqueires de área, na Serra do Jabuticabal.
Essa estrutura chama a atenção pelo zelo e cuidado que recebe. Desde os espaços de convivência, sempre limpos e arrumados, até os locais de trabalho diário, como a horta, a cozinha, a criação de porcos e galinhas e o pomar de manga e goiaba. Para recreação, piscina, academia, campo de futebol e até um açude, com alevinos para pesca. Completa a estrutura um barracão para palestras e eventos.
A capela ecumênica recebe reuniões diárias de religiosidade. Às seis da manhã, os internos começam o dia em recolhimento e oração, cada um à sua maneira. Terminado esse momento, passam a trabalhar os 12 passos, cada um a seu tempo e dentro de um planejamento de recuperação.
Para acompanhar essa evolução, a casa conta com monitores de tratamento, coordenados por Wagner Damião Cabral de Oliveira, um ex-interno que chegou ali há sete anos e acabou ficando por opção. “Trabalhamos aqui com o tripé religiosidade/laborterapia/espiritualidade. E isso não é só para interromper o uso de substâncias psicoativas, mas para a reforma interior do residente”, diz.
“Precisamos dar Qualidade de Vida e paz de espírito a esses indivíduos que, por sua vez, merecem novas oportunidades”.
Segundo Oliveira, temos de acreditar sempre na recuperação. “Leva um tempo, mas é possível. A busca espiritual é muito importante para nós, independentemente da religião, se é católico, evangélico, espírita, budista ou se tem outros modelos de crença. E nesse caminho, trabalhamos com o modelo de abstinência total, sem concessões”.
A crença na reabilitação é compartilhada com o psicólogo da entidade, Carlos Augusto Artioli. Conhecido por todos como Guto, é um dos motivadores do tratamento diário dos internos. “Sempre digo que aqui é uma oportunidade não só para a interrupção do uso, mas um laboratório de vida, onde as pessoas podem superar suas limitações e ampliar seu repertório de atitudes”.
Segundo ele, que é especialista em Análise do Comportamento, todos na casa buscam acompanhar e fortalecer os internos em sua superação diária. “É até bonito ver as mágoas se diluindo, a vida se refazendo naquela pessoa. Depois de um tempo, ela volta a sonhar, a fazer planos e todo o processo da reinserção social vai fortalecendo”.
Atualmente, a casa trabalha com um ciclo de tratamento de oito meses. Ao longo desse tempo, o interno recebe orientação psicológica e acompanhamento médico. Caso queira interromper seu internamento, a qualquer momento, a saída é opcional e livre. “Aqui todos tem garantidos o livre-arbítrio e o direito de ir e vir. No entanto, temos nossas regras e, da mesma forma que há os direitos, temos que observar os deveres de cada um”, lembra o coordenador Wagner.
Para manter tudo em ordem e garantir uma gestão transparente, o Horto de Deus de Monte Alto tem um quadro de quase 100 sócios-contribuintes, 58 deles integrando a diretoria. Como fonte de recursos estão as doações da comunidade – pessoas físicas e empresas, repasses de verbas públicas e campanhas, tradicionais na entidade.
“Precisamos trabalhar muito para manter nossas contas em dia”, aponta o presidente da entidade, Pascoal Nacarato. “As últimas mudanças na legislação do INSS em relação a afastamentos criarm novas dificuldades na entidade. Antes o Governo arcava com até oito meses de internação, para aqueles internos que estavam devidamente registrados. Hoje são, no máximo, três. Apesar disso, fomos buscar alternativas para suprir esses recursos, como o programa Cartão Recomeço”.
Quem coordena os assuntos administrativos é José Augusto Guilherme, o Bahia. É da sua sala que sai a papelada para o Governo, o Estado e as prefeituras que enviam pacientes para o Horto. “Hoje temos uma gestão organizada, com todas as certidões e prestações de conta em dia, para que possamos sempre oferecer o máximo de credibilidade à sociedade que sempre nos auxilia”, diz ele.
“Eu mesmo não sabia como funcionava o sistema de tratamento. Como todo mundo, passava aqui na frente e tinha um preconceito gratuito, pensando que aqui só tinha desajustados. Mas a realidade é que essas pessoas precisam de tratamento e temos que acreditar sempre nessa possibilidade”, reforça Bahia.
Apesar desses e outros desafios, a voz corrente na entidade é a crença de que há esperança no tratamento e na recuperação de dependentes químicos. “O acolhimento é necessário e válido e não importa se, no futuro, a pessoa vai recair ou não. O que importa é que prestamos um atendimento naquele momento de necessidade do indivíduo. E, ao longo do tempo em que esteve por lá, quanto sofrimento que pudemos evitar? É isso que importa”.
Nelson Zaupa Jr, um dos fundadores, que já viveu o problema em casa, costuma dizer que não importa a porcentagem de cura dos dependentes. “Se depois de todo o trabalho que fizermos, conseguirmos mudar a vida de uma só pessoa, todo o trabalho já valeu a pena. Pois a vida não tem preço e temos sempre que lutar por ela.”
Conheça a Associação Promocional Vida Nova-Horto de Deus. Visite o site da instituição clicando aqui.
Fonte: Revista La Paz