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Apresentamos neste artigo uma entrevista do dr. Paulo de Abreu Leme, médico formado pela USP, ao Programa Tocando em Frente, onde ele fala abertamente sobre seu problema com alcoolismo. Ele e o filho mais velho, que também enfrentou o problema, escreveram até um livro relatando os dramas e preconceitos vividos em razão da dependência.
O álcool entrou na vida de Paulo pai no fim da adolescência, nas festas com os amigos, e ficou clara a partir dos 30 anos. E, curiosamente, a profissão escolhida pode ter colaborado para o aumento da crise.
É que, segundo uma pesquisa feita com 7 mil cirurgiões nos EUA pela American Foundation for Suicide Prevention, 13,9% deles têm problemas com álcool. O mesmo estudo revelou também que o índice de suicídios entre médicos é 70% maior que na população em geral. Entre médicas, 400% maior.
Além das durezas clássicas da profissão, estes índices tão altos também são sintomas de uma piora nas condições de trabalho, com jornadas cada vez mais árduas e difíceis. E isso leva alguns a buscar válvulas de escape.
O estresse e a falta de recursos mínimos de trabalho são fatores de risco para os trabalhadores da saúde nos hospitais. O acúmulo de empregos, a jornada extenuante, a precariedade das instalações aumenta as chances de acidentes de trabalho e a incidência de erros médicos. A situação também adoece os profissionais, que se veem desestimulados e com a autoestima prejudicada pelas inúmeras restrições nos hospitais.
Ainda assim, o uso de drogas e a dependência química entre profissionais de saúde, sobretudo entre médicos, são assuntos tabus. Apesar da consciência de que o uso de álcool e outras drogas se inicia, na grande maioria dos casos, durante a formação universitária (como foi o caso do dr. Paulo, aliás), e que esse seria um momento propício para detectar usuários problemáticos com risco de desenvolvimento de problemas mais graves na relação com álcool e outras drogas, pouco se aborda esse tema durante a formação médica. E o que se observa, em geral, é a continuidade de um problema que se iniciou nessa fase e que apenas tomou corpo ao longo dos anos de exercício da profissão.
Um estudo realizado no Brasil em 2005 (Perfil clínico e demográfico de médicos com dependência química), traçou um perfil de 198 médicos brasileiros que estavam em tratamento ambulatorial por uso nocivo de drogas e dependência química: eram em sua maioria homens (87,8%), casados (60,1%), com idade média de 39 anos. A maioria (79%) possuía título de Residência Médica e as especialidades mais envolvidas eram Clínica Médica, Anestesiologia e Cirurgia. Sessenta e seis por cento dos médicos já tinham sido internados por causa do uso de álcool e/ou drogas. Alguma comorbidade psiquiátrica foi diagnosticada em 33% dos pacientes. Quanto às substâncias consumidas, o item mais frequente foi o uso associado de álcool e drogas (36,8%), seguido por uso isolado de álcool (34,3%) e uso isolado de drogas (28,3%).
Um dado importante desse estudo se refere ao tempo decorrido entre o surgimento do problema e a busca por assistência médica: foi observado um intervalo de 3,7 anos, em média, entre a identificação do uso problemático de substâncias e a procura de tratamento. Trinta por cento procuraram tratamento voluntariamente, enquanto o restante o fez por pressão da família, amigos e colegas. Quanto aos problemas sociais e legais observou-se o seguinte: desemprego no ano anterior em quase um terço da amostra; problemas no casamento ou separação (68%); envolvimento em acidentes automobilísticos (42%); e problemas jurídicos (19%). Dois terços apresentaram prejuízo na prática da profissão e 8,5% registraram alguma ocorrência junto aos Conselhos Regionais de Medicina.
A publicação “A política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas” de 2003, descreve de que modo a realidade contemporânea tem colocado novos desafios na forma como certos temas têm sido habitualmente abordados, especialmente no campo da saúde, como o uso indevido de substâncias psicoativas, questão que, por sua complexidade, exige que se evitem simplificações reducionistas.
No Brasil, o uso de álcool e drogas entre médicos tem sido recentemente apontado como um problema que merece atenção, mas sobre o qual não existem estudos que avaliem sua magnitude de modo mais direto. Mais do que uma escassez de dados quantitativos – pois todos os dados de prevalência derivam de estudos americanos realizados há várias décadas –, há uma escassez de pesquisas que procuram traçar alguma linha de entendimento sobre como esse processo se estabelece localmente.
Fontes: Marcelo Niel, Mestre em Ciências da Saúde pela Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em Trabalho e saúde mental dos profissionais da saúde e Revista Superinteressante