A preocupante associação entre uso de substâncias e morte violenta

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Resultado do pós-doutorado do epidemiologista Gabriel Andreuccetti, com a supervisão do professor Heráclito Barbosa de Carvalho, do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP, e em colaboração com o Departamento de Medicina Legal da mesma universidade, com a University of California, Berkeley, e apoio do Instituto Médico-Legal (IML) de São Paulo, uma pesquisa a respeito da associação entre o consumo de álcool e drogas com a ocorrência de mortes violentas revela que o consumo de álcool ou de pelo menos um tipo de droga guarda associação com mais da metade (55%) das mortes violentas ocorridas na capital paulista entre 2014 e 2015.

Publicado no periódico Injury o estudo contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Para obter dados para o levantamento, Andreuccetti empregou um método de amostragem probabilística usando a cidade de São Paulo como população-alvo. Todo ano ocorrem em São Paulo cerca de sete mil mortes que se enquadram na classificação de morte súbita, inesperada ou violenta. A maioria é composta de homicídios (26%), seguida pelos óbitos relacionados ao trânsito (20%) e por suicídios (10%).

Gabriel Andreuccetti fez o levantamento de casos de mortes violentas entre junho de 2014 e dezembro de 2015, coletando amostras de sangue de cadáveres durante autópsias pelas diversas EPML da cidade, em diferentes dias e horários da semana.

O resultado final do levantamento chegou a uma amostra com 365 mortes, todas violentas, súbitas ou inesperadas, que deram entrada no IML. A amostra reuniu 104 homicídios (28,5% do total), 56 vítimas de acidentes de trânsito (ou 15,3%), 44 suicídios (12,1%), 26 quedas (7,1%) e 21 casos de envenenamento ou intoxicação (5,8%). Em 114 casos (31,2%), a morte súbita ou violenta ocorreu de formas diferentes das anteriores.

O passo seguinte foi identificar quais apresentavam vestígios de álcool ou de drogas no sangue. A verificação foi feita via cromatografia gasosa que buscou, também, a presença de outras drogas, incluindo anfetaminas, sedativos (calmantes) e ansiolíticos (barbitúricos e benzodiazepínicos), maconha, cocaína, opioides (metadona, morfina, heroína) e pó de anjo (fenciclidina) por meio do ensaio de imunoabsorção enzimática (Elisa), posteriormente confirmada por espectrometria de massa.

Foi detectado que, das 365 vítimas, 202 (55,3%) haviam ingerido álcool antes de morrer, ou estavam sob efeito de drogas no momento do falecimento, sendo que 63 só ingeriram álcool, 92 só usaram drogas e 47 fizeram as duas coisas.

A substância mais prevalente entre as vítimas que fizeram uso de substância psicoativa foi o álcool (30,1%) seguido pela cocaína (21,9%), maconha (14%) e os calmantes e ansiolíticos (11,5%).  Outros 16,2% usaram álcool e qualquer uma dessas drogas misturadas.

Andreuccetti afirma que não esperava uma prevalência tão elevada de drogas na amostragem e que este é um dado preocupante.

No caso das vítimas de acidentes de trânsito, quase metade (42,9%) tinha traços de álcool no sangue e uma em cinco (21,4%) estava sob efeito de uma ou mais substâncias enquanto que, com relação aos homicídios, em nada menos que 59,6% das mortes foi identificada a presença de alguma substância psicoativa ou álcool no sangue, sendo que 16,3% usaram álcool e cocaína juntos.

Já no que diz respeito aos casos de suicídio, o álcool teve a menor representação de toda a amostragem (9,1%). Por outro lado, foi nesse grupo que o uso de benzodiazepínicos se revelou um dos mais prevalentes (18,2% – algo como um em cada cinco).

Do total de 202 mortes positivas para o uso de álcool ou drogas, havia nove homens para cada mulher. E cerca de uma em cada três vítimas tinha menos de 30 anos. Metade dos mortos era branca (50,3%) e a outra metade (49,7%), composta de indivíduos de outra etnia (pardos, negros, etc.). 60,5% das mortes ocorreram no período das 6 da tarde às 6 da manhã. Das 365 mortes, 15,9% das vítimas tinham algum histórico criminal. Entre essas, o uso de outras drogas além do álcool e o uso múltiplo de substâncias foram maiores do que entre as vítimas que não possuíam histórico criminal.

Andreuccetti explica que tentou quantificar as vítimas segundo o local de ocorrência da lesão fatal verificando a região da cidade onde o evento ocorreu. Desta forma observou que a maioria das mortes por violência quando sob a influência de drogas ocorre no centro e na periferia, ou seja, onde se concentram os maiores centros de comércio e a população de baixa renda, respectivamente.

Para o epidemiologista, conhecer essas estatísticas é um passo importante para tentar começar a reduzir os números de mortes violentas relacionadas ao consumo de álcool e drogas não somente na cidade de São Paulo, mas também em outras grandes cidades do país.

 

Fonte: Jornal da USP