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A 200 quilômetros ao Sul de Porto Alegre encontramos famílias de fumicultores que, em geral, aparentam mais idade do que têm e com uma história similar: depois de dias intensos de colheita, sofrem enjoo, vômito, dor de cabeça, tremor, fraqueza.
Antes, eles acreditavam ser o desgaste do trabalho pesado, hoje sabem que é intoxicação por nicotina. Não é só o cigarro, alvo de bem-sucedido cerco nas últimas décadas, que faz mal, mas também o contato da pele do fumicultor com a folha molhada do tabaco.
A chamada doença do tabaco verde, já descrita em estudos científicos, ocorre principalmente no período da colheita, quando agricultores carregam nos braços as folhas úmidas, seja por suor, orvalho ou chuva. A nicotina é uma molécula solúvel, por isso a água aumenta sua absorção. As concentrações de cotinina (derivado formado após a entrada no corpo) nesses trabalhadores são altas. Um fumante tem níveis acima de 50 ng/ml. Testes de urina realizados pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde mostraram que agricultores não fumantes com sintomas da doença tinham níveis entre 68 e 380 ng/ml. Se fumavam, os índices saltavam para 180 a 800 ng/ml. Os efeitos de longo prazo ainda não estão claros, mas, segundo o ministério, podem aparecer problemas como câncer, doença pulmonar obstrutiva crônica e cardiopatias.
O Brasil é o maior exportador e o segundo maior produtor de tabaco do mundo, com 706 mil toneladas anuais — 90% das quais vêm do Sul, numa cultura espalhada por 756 municípios e a cargo de 160 mil famílias.
São cerca de dez indústrias, em geral transnacionais, nos três estados do Sul. Elas produzem cigarro ou enviam folhas ao exterior e implementaram um sistema baseado na agricultora familiar, que participam de todo o ciclo, com financiamento de insumos, assistência técnica e compra da safra.
Apesar do Presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco), Iro Schünke alegar que a intoxicação não ocorreria se os agricultores usassem equipamentos de proteção, um estudo da Universidade Federal de Pelotas (RS) publicado este ano na revista “American Journal of Industrial Medicine” contesta o que ele diz: “O uso de vestuário de proteção não garantiu efeito contra a doença (…) No Brasil, o controle de qualidade do vestuário de proteção é fraco. Depois de terem sido lavadas apenas algumas vezes, (as roupas) perdem sua eficácia”.
O mesmo estudo também estimou a prevalência da doença em 6,6% entre os homens e 11,9% nas mulheres no Sul. Outra pesquisa do mesmo grupo publicada este ano na “NeuroToxicology” trata do risco de esses agricultores desenvolverem distúrbios psiquiátricos. Trabalhos anteriores associaram a intoxicação por agrotóxicos (comumente usados na produção de tabaco) a depressão, transtornos de humor e tentativas de suicídios. Agora os pesquisadores reforçam a relação, além de pregar que a intensa exposição à nicotina também traz prejuízos à saúde mental.
A produção de tabaco no Sul remonta ao início do século XX. E, na década de 1990, as grandes empresa migraram de países do Norte para se estabelecer por aqui, onde encontraram clima e agricultores adequados e custos mais vantajosos. De lá para cá, a quantidade de produtos químicos até caiu — de 5,5 quilos por hectare, em 1990, para 2,2 quilos em 2011, estimam pesquisas (ou 1,1 quilo, hoje, como diz o SindiTabaco).
Mas, segundo estudo da Fiocruz, os herbicidas e fungicidas usados são “moderadamente” a “altamente” tóxicos e podem ser absorvidos pela pele, por ingestão ou inalação. A combinação entre nicotina e inseticidas preocupa, e a pesquisa alerta: “São comuns os casos e as tentativas de suicídio nas pequenas propriedades de cultivo do tabaco”, conclui o estudo.
Fonte: O Globo