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Somos nós quem criamos nossos próprios demônios e fazemos deste mundo nosso próprio inferno.
Oscar Wilde.
Precisamos reformular, rediscutir, realinhar nossa Política Pública sobre Drogas? Em artigos anteriores já alertava a falta de uma maior discussão/debate sobre o fenômeno das drogas e sua aplicabilidade na prevenção, tratamento, redução de danos e redução da oferta e da demanda. Não é somente em relação ao crack, mas, também, no tocante ao álcool e outras drogas.
Não há nenhuma diretriz na Saúde Pública vinculada à questão das drogas no quesito ampliação da capacidade de leitos para tratamento pelo SUS, pelo contrário, nos últimos 4 anos dos 20 mil leitos fechados do SUS, 6968 são da Psiquiatria¹, além da escassez de medicamentos para tratamento de DQ nas farmácias populares. O acolhimento do DQ ainda se faz através do CAPs, mas enquanto estes insistirem na falta de uma experiente retaguarda clínica e psiquiátrica e com parcos recursos à Comunidade, continuarão com sua incapacidade de assumir as funções para as quais foram criadas.
Sobre o programa “Crack É possível Vencer”, apesar de bons cursos a distância oferecidos pelo Ministério da Justiça e com ótimo material didático, a prática tem se mostrado insuficiente ou com pouca efetividade. Dos 197 micro-ônibus comprados para o programa, adquiridos na gestão Dilma Roussef, pelo Ministério da Justiça a maioria está encostada, 127 nunca foram usados por “problemas de funcionamento”. Os modelos são equipados com câmeras de segurança que permitem ações de policiamento ostensivo e flagrantes dentro das cracolândias. Também servem para atendimento a usuários de todos os tipos de drogas. Cada unidade parada custou aos cofres públicos entre R$ 637 mil e R$ 833,3 mil. A atual administração da Secretaria Nacional de Segurança Pública, do MJ, diz que está adotando todas as providências para resolver, com a maior brevidade possível, a situação.²
Nos últimos 30 anos mais de 400 mil jovens de 14 a 25 anos morreram assassinados em todo o Brasil³, sendo que destes, até 50% está relacionado ao tráfico de drogas e 65% com o envolvimento do Crack. A Lei das Drogas 11.343/2006 não criou critérios quantitativos para a diferenciação de usuário e traficante e, desde que foi promulgada, o número de presos triplicou³. Entre os 21 países participantes do Levantamento Global de Drogas 2015, o Brasil ficou em 2º lugar quanto a procura dos serviços de emergência por consumo exagerado de álcool (binge), só perdendo para a Irlanda. 20 Milhões de brasileiros são dependentes do álcool e mais de 35 mil mortes/ano no trânsito são atribuídas ao consumo exagerado desta substância.
O modelo de Comunidades Terapêuticas, VOLUNTÁRIO, que hoje atende 80% dos DQ e está no Brasil há mais de 40 anos é burocraticamente questionado sobre o viés de uma política reducionista acéfala, preconceituosa e fundamentalista sendo muitas vezes inviabilizado por vaidades protocolares quanto do seu atendimento e acolhimento. A concepção da Saúde regulamentando ações que somente se destinam a reduzir os riscos associados ao uso e abuso de drogas sem intervir na oferta ou consumo, conforme portaria 1028/05 no seu artigo 2°, é tão ou mais indesejável quanto a atual política sobre drogas repressiva. Os dependentes químicos, especificamente do crack, NÃO SÃO BAIXAS INEVITÁVEIS, MUITO MENOS EXPERIMENTOS DE UMA LÓGICA IMEDIATISTA E DE RESULTADO e merecem muito mais do que uma alocação em depósitos de lixos urbanos que somente oferecem a escolha do poder escolher entre o “não viver” no cimento urbano excludente.
As penas alternativas, para o pequeno traficante e usuário e a Justiça Terapêutica ou Restaurativa devem ser, cada vez mais, incentivadas, bem como a saúde e a segurança da sociedade/comunidade devem estar em primeiro lugar, mas para isto é imprescindível um reordenamento da fracassada repressão punitiva para um direcionamento em Prevenção, Informação e Intervenções com comprovada eficácia. O objetivo final de uma Política Pública sobre Drogas mais humana e eficaz deverá ser a prevenção de mortes relacionadas às drogas, bem como a redução do crime, o emprego ou reinserção social, diminuindo com isto a exclusão social, e a recuperação do DQ com sua reintegração à sociedade.
Então, precisamos reformular, rediscutir, realinhar nossa Política Pública sobre Drogas? É CLARO QUE SIM!!!
¹- Conselho Federal de Medicina.
²- SENAD e Jornal Estado de São Paulo.
³- Weiselitz, JJ (2013): mapa da Violência: Homicídios e juventude no Brasil e Departamento Penitenciário do Ministério da Justiça.
PITI HAUER é advogado com formação pela UFPR e habilitação específica em Ciências Penais, especializando-se em Dependência Química na UNIFESP, 1º Vice-Presidente da FEPACT – Federação Paranaense das Comunidades Terapêuticas, Membro do Conselho Estadual de Políticas Públicas sobre Drogas no Paraná (2014-2015), Colunista do Paraná Portal – “Vamos falar sobre Drogas?”, colaborador do site “Para Entender a Dependência Química” e com Curso de Extensão ao Crack: Tratamento e Políticas Públicas pela UNIAD.