Afinal, pornografia pode mesmo viciar?

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Uma série de vídeos publicada pelo ator americano Terry Crews nas redes sociais, assistida por milhões de pessoas nas últimas semanas, abriu uma verdadeira polêmica sobre se pornografia pode ou não, de fato, viciar alguém.

Ex-jogador de futebol americano e famoso por sua participação em produções de comédia – como os seriados Todo Mundo Odeia o Cris e Brooklyn Nine-Nine e o filme As Branquelas –, Crews batizou sua websérie, em três partes, de Dirty Little Secrets (algo como “Segredinhos sujos”).

Trata-se de um relato franco sobre sua compulsão por pornografia, que ele diz ter começado aos 12 anos de idade. A primeira parte da série foi visita mais de 3 milhões de vezes e atraiu milhares de comentários.

Crews conta que passava horas de seus dias assistindo a filmes pornôs: “A pornografia atrapalhou a minha vida de várias formas”, diz. “Se o dia virou noite e você ainda está assistindo, você provavelmente tem um problema. E esse era eu.”

O ator reconhece ainda que o vício quase lhe custou o relacionamento com sua mulher, a cantora gospel Rebecca King-Crews, de quem chegou a ficar temporariamente separado.

O retorno foi imediato: de um lado, milhares de pessoas aplaudiram Crews no Facebook, elogiando principalmente sua sinceridade. De outro, vários usuários começaram a compartilhar também suas próprias experiências envolvendo compulsões relacionadas ao sexo.

“Eu tenho lutado há anos – ANOS – contra a pornografia. E hoje sou grato por poder dizer que estou sóbrio e que tenho me mantido limpo por algum tempo”, disse um usuário.

Sucesso da empreitada de Crews à parte, a ideia da existência de um “vício em pornografia” é algo controverso. Tanto que ele não está listado, por exemplo, no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM), a “bíblia da psiquiatria” publicada pela Associação Americana de Psiquiatria.

Muitos especialistas afirmam que o cérebro de uma pessoa assistindo pornô não funciona da mesma forma que o de dependentes químicos, embora as evidências sejam contraditórias nesse ponto.

Nicole Prause, pesquisadora da Universidade da Califórnia em Los Angeles, afirma que o consumo de pornografia não pode ser colocado no mesmo conjunto que o de álcool e drogas.

“Nos casos de vício em pornô, o cérebro tem desempenho similar ao registrado em outras dependências, mas apenas até certo ponto. Depois diverge. Quando você vê pornografia, há aumentos nos dispositivos de aprendizado e recompensa. Porém, não é possível ver outros sinais”, afirmou ao programa de rádio BBC Trending.

Segundo a especialista, em pessoas viciadas em jogos de azar, por exemplo, o cérebro dá pistas mais consideráveis. Quando são analisadas pessoas que dizem sofrer da compulsão por pornô, a resposta é bem menor. Sendo assim, afirma Praus, os modelos científicos atuais apontam que pornografia não causa dependência, e por isso tratá-la dessa forma pode ser contraproducente.

Dizer que não vicia, no entanto, não conforta as milhares de pessoas que desabafam na internet sobre suas dificuldades em deixar a pornografia de lado.

Só um grupo no famoso site de fóruns de discussão Reddit – chamado r/NoFap (“no fap” significa algo como “masturbação, não” na gíria em inglês) – tem mais de 170 mil seguidores, o que o faz tão popular quanto aqueles dedicados à cerveja e à série de jogos GTA, por exemplo.

Muitos dos usuários do fórum – ligado a um site de mesmo nome – dão detalhes sobre sua luta contra a obsessão por pornô e se comprometem a não ter recaídas ou se masturbar por um determinado período de tempo.

Tom é o nome fictício de um professor que vive nos Estados Unidos. Ele afirmou ao BBC Trending que sua compulsão teve início bem cedo e causou sérios danos a seu casamento: “Você provavelmente já ouviu que assistir pornô é bom, mas não se compara à coisa real”, ele diz. “Mas quando você é viciado em pornografia, sente o oposto. Sexo é bom, mas não se compara ao pornô.”

Tom conta que chegou a passar semanas assistindo a pornografia por horas todas as noites.

“Eu não conseguia mais ficar excitado com minha mulher, simplesmente porque isso não era mais o suficiente para mim”, diz.

E não importa o que alguns cientistas digam: Tom acredita que é viciado em pornografia – assim como várias outras pessoas no grupo do Reddit. Afinal, como já mostramos nesta matéria, outros pesquisadores confirmam que a pornografia desencadeia uma atividade cerebral semelhante ao efeito que as drogas têm sobre o cérebro de viciados em drogas. É o caso do estudo feito na Universidade de Cambridge (Reino Unido) que monitorou 19 homens enquanto eles assistiam a filmes pornográficos. E notaram que foram ativados nos cérebros dos voluntários os mesmos pontos de “recompensa” acionados quando um dependente vê sua droga favorita.

Por isso, o professor se desafiou a ficar dois anos sem assistir vídeos pornôs – já se foram 90 dias, mas ele diz que não está sendo nada fácil lutar contra a compulsão e conseguir se livrar de verdade.

 

Fonte: BBC