A ‘cultura’ do ecstasy e a busca do prazer sem limites

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Foi o neurologista austríaco Sigmund Freud (1856-1939) que intuiu brilhantemente como os aspectos mais saudáveis ou mais doentios de nossa personalidade estão sempre relacionados à busca dos indivíduos em obter o prazer e felicidade, evitando a dor e o sofrimento.

Ele dizia que existe um grande mal-estar em nossa civilização, pois as frustrações causadas pela ‘domesticação’ dos nossos instintos, necessária à vida em sociedade, geram sintomas (neuroses) que fazem as pessoas buscarem diversas satisfações substitutivas.

Não é preciso nem dizer que estas ‘substituições’ podem causar sofrimento, tanto para a própria pessoa, que pode desenvolver dificuldades em seus relacionamentos, como para a sociedade a que pertence e as pessoas que estão próximas a ela.

Uma dessas substituições é o uso de drogas. Segundo Freud, as substâncias psicoativas são ‘amortecedoras de preocupações’, possibilitando ao indivíduo produzir ao mesmo tempo seu prazer imediato, afastar-se da pressão da realidade e encontrar refúgio em seu próprio mundo.

Para ele, “é exatamente essa propriedade dos intoxicantes que determina seu perigo e sua capacidade de provocar danos”. E Freud pode dizer isso com propriedade, pois, para quem não sabe, ele e alguns de seus pacientes tiveram problemas sérios com a cocaína.

O ecstasy é, na verdade, uma droga antiga. Sua substância ativa, a MDMA, foi patenteada em 1914 como um medicamento para reduzir o apetite. Mas, devido aos seus efeitos colaterais, nunca foi comercializado com essa finalidade. Vendida sob a forma de comprimidos, essa droga causa euforia, sensação de bem-estar e alterações da percepção sensorial, principalmente o tato, durante contatos físicos.

Devido a essas sensações, em 1960, a MDMA começou a ser usado nas psicoterapias, principalmente de casais, por ser considerado um medicamento “empatógeno”, ou seja, que promove a empatia entre as pessoas.

Isso até começar a ser proibida no final da década de 70. Apesar de seu uso recreativo ter começado em 1970, nos EUA, nos anos 80 a MDMA ganhou um novo nome e o marketing da indústria da droga a rebatizou de ecstasy, a ‘droga do amor’.

Na década de 90 e mais intensamente a partir do ano 2000, o movimento conhecido como “cultura do ecstasy” começou a ganhar destaque na cena contemporânea. Ele é geralmente composto por jovens que utilizam drogas sintéticas como o ecstasy, o LSD (ácido lisérgico), GHB, special K, cristal, cocaína e lança-perfume, principalmente em festas ou festivais de música eletrônica conhecidos como raves.

Estudos recentes indicam que, embora drogas lícitas – como álcool, cigarro, remédios, energéticos – e ilícitas – como a maconha – também sejam muito consumidas, toda essa química é vista como uma extensão da vida dessas pessoas. São ‘substâncias facilitadoras’, que permitem a continuidade entre sua conduta na festa (balada) e nas outras esferas tradicionais da vida, como trabalho, escola e relacionamentos.

Assim elas usam um anabolizante na academia; o álcool na mesa de bar com os amigos; o ecstasy nas raves e ‘baladas’; Lexotan ou maconha para dormir; e café ou eventualmente cocaína para trabalhar ou ir para a faculdade, e por aí vai.

Outra mudança recente é que as substâncias sintéticas distanciam-se de um eventual caráter degradado, sujo, perigoso ou ilícito, comparado com drogas como o crack, pois sua compra é envolvida em uma situação de ‘assepsia’, geralmente feita de um amigo ou conhecido do amigo.

Também seu uso é controlado matematicamente dentro dos limites anatômicos do corpo. Como esse público é muito bem informado sobre a relação do corpo com todas essas drogas, eles estudam e calculam as doses, os intervalos entre elas e estabelecem um tempo para a hidratação do corpo, para que nada excessivo aconteça. Esta providência nem sempre se mostra eficaz, pois há sérias complicações e até óbitos relacionados ao uso do ecstasy.

Geralmente, o que eles esquecem é que cada organismo é um, e um erro pode ser fatal. O álcool sozinho já causa inúmeras mortes em brigas ou acidentes de carro. Junto com outras drogas esse risco se potencializa, além de outros males que surgem devido ao consumo excessivo de substâncias.

E como Freud também já dizia, além do princípio do prazer, encontra-se a morte.

 

Fred5x7FREDERICO ECKSCHMIDT é psicólogo, especialista em dependência química e mestrando pela Faculdade de Medicina da USP. Possui pós-graduação em Social Health, pela Harvard University e é também é sócio-diretor do Núcleo Synthesis. Email: frederico@nucleosim.com.br