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Resistir é uma palavra ambígua. Tanto significa aguentar uma situação quanto opor-se com força e veemência a ela. Resistir é rejeitar, contrariar e contradizer uma opinião alheia, mas é também tolerá-la.
Ao longo do curso da vida, a resistência às coisas é construção necessária e imprescindível. É preciso resistir a paixões e desejos, saber colocá-los num lugar e numa situação que não provoque danos nem a nós nem a outros. Resistir demanda filtros corretos na maneira como olhamos para o mundo, e como nos vemos dentro e através dele.
Aprender a resistir está intimamente ligado às experiências de dor e perda porque passamos ainda crianças, e à maneira como os adultos à nossa volta nos ajudaram a conviver com elas. Poderia dizer superar – mas quem diz que se superam as dores? Com algumas, é preciso aprender a conviver, o que não significa que algo se supere.
Resistir deriva da palavra latina resistere, que significa ficar firme, aguentar. É formada pela raiz sistere, que significa manter a posição, e o prefixo re, que significa para trás. Resistir é aquela posição que se mantém num movimento aparentemente oposto a ser ativo: mantenho a minha posição levemente deslocado para trás, inclinando-me um pouco na direção contrária daquilo que quero. É comum que nos inclinemos e corramos em busca do que queremos. É assim que muitas vezes nos ensinam (e nós ensinamos) a vencer na vida: corra atrás do que você quer!
Resistir é saber inclinar-se para trás antes de avançar. Isso se aprende. Ninguém nasce sabendo. Resistir é parente próximo de ter cautela e de ser prudente. De um lado, resistir, ser prudente e cauteloso; do outro, ser confiante, corajoso e entregue. Uma equação difícil de resolver.
A tarefa de ser educador reside nessa complexa e quase insolúvel equação. Resistir, e assim apropriar-se da vida sem que ela se aproprie de nós. Ter cautela, e com isso aprender a proteger e respeitar as flores que nascem em nós, para que possamos proteger e cuidar também das que nascem nos outros. Ser prudente, para evitar quedas e ossos e corações quebrados, lembrando-nos de que limites, próprios e alheios, precisam de percepção e respeito. E ser confiante, corajoso e entregue: o que vem a ser resistir a ter medo do outro. Resistir à vontade de ser sozinho e de ninguém depender. Resistir a virar as costas a quem precisa de você quando precisa. Resistir a pensar que você é o centro da sua vida, e que os outros aí estão para dar-lhe sentido, ou valor, ou prazer, ou distração. Num mundo que nos empurra na direção do egocentrismo, da manipulação, da autossuficiência e da incapacidade de se entregar amorosamente, é urgente que todas as lições de resistência sejam aprendidas e ensinadas. Não resistir ao amor pode ser a chave para saber resistir ao caminho dos destroços.
Ana Vieira Pereira é mestre e doutora em Literatura Comparada pela USP. Atualmente dedica-se ao ensino e à pesquisa da escrita dentro do âmbito da criação artística. Coordena o espaço Quinta Palavra, em Botucatu, e é assessora pedagógica da Escola Waldorf Rudolf Steiner, em São Paulo, e da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp, em Botucatu. É autora de, entre outros, Do ventre ao berço: o parto em casa, Mistache Malabona e O dono do castelo.