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Tentar superar um vício, percorre os mesmos caminhos angustiantes do tormento que uma vítima passa ao tentar libertar-se do seu sequestrador. Mas, a natureza do vício é autodestrutiva. É como se a própria pessoa desenvolvesse a Síndrome de Estocolmo, mas ao invés de se afeiçoar ao sequestrador, afeiçoa-se ao seu vício. A Síndrome de Estocolmo é um estado psicológico particular desenvolvido por pessoas que são vítimas de sequestro, em que a vítima desenvolve sentimentos de lealdade para com o sequestrador apesar da situação de perigo em que se encontra colocada. Na grande maioria dos vícios, uns mais destrutivos que outros, a pessoa tem consciência do quão prejudicial é continuar a alimentar o comportamento inadequado, que na grande maioria das vezes toma conta da sua vida, ou pelos menos lhe causa grandes transtornos em algumas áreas da sua vida. No entanto, paradoxalmente a pessoa vive entre o reforço positivo (afeiçoa-se ao vício) e a punição (tem consciência do mal que faz).
Todos os comportamentos de dependência têm pelo menos duas coisas em comum:
- Ajudam as pessoas a reduzir os sentimentos dolorosos e angustiantes
- São fortemente influenciadas ou controladas por um processo de pensamento destrutivo que tanto seduz a pessoa para realizar o comportamento, como é punida por ceder à tentação.
O vício, tal como na dança em o Lago dos Cisnes, encontra um padrão pelo qual entra diretamente na vida de uma pessoa, atraindo e condenando, confortando e destruindo. Uma vez sendo o cisne branco, inocente e gracioso, outra vez sendo o cisne negro, sombrio e destrutivo. Esta dança, pouco a pouco vai levando a pessoa à exaustão, consumindo a sua energia, os seus recursos funcionais, alterando o seu raciocínio, adulterando as ideias e os desejos. Os condicionamentos sucedem-se, a pessoa vê-se numa miríade de obstáculos, não conseguido por vezes fazer o que pretende, como se algo comandasse a sua vida e ela fosse na grande maioria do tempo um mero espectador forçado por uma força invisível.
As pessoas que se envolvem em drogas, álcool ou jogo, que têm um transtorno alimentar, ou que lutam com qualquer outro vício estão agindo de acordo com as influencias de um processo de pensamento destrutivo conhecido como a sua voz interior. A voz interior funciona como uma faca de dois gumes, umas vezes é afável, motivadora e sedutora, outras vezes é crítica, atroz e maliciosa. Por exemplo, se você luta com uma dependência de álcool, este inimigo interno vai tentar seduzi-lo como um amante, o pensamento aparentemente amigável (ou “voz interior”), pode dizer:
“Você teve uma semana difícil. Tome uma bebida. Você realmente precisa disso para relaxar.”
Se você estiver a tentar superar um vício alimentar, o seu diálogo interno pode atraí-lo com recompensas:
“Come um pedaço de bolo. Fizeste bem a tua dieta durante toda a semana, tu mereces.”
Depois de ceder, essa voz interior enganosamente suave transforma-se num inimigo cruel, dilacerando a pessoa em pedaços. Em questão de segundos a voz interior altera-se e torna-se maliciosa, castiga a pessoa por se entregar ao comportamento de vício que ela própria encorajou.
“És um fraco, idiota. Disseste que não ias beber mais. Estragaste tudo. És sempre a mesma coisa. “
Tal como na dança em o Lago dos Cisnes, a voz interior autocrítica sempre desempenha dois papéis durante o tormento de um vício: sedutor e punidor. Comportamentos de dependência representam um ataque direto contra a saúde física e bem-estar emocional, e limitam a capacidade de realizar objetivos pessoais significativos na vida. Portanto, é importante identificar as vozes críticas internas que regem esses padrões de mau hábito e desafiar os seus dilemas, aprendendo formas mais construtivas de lidar com a dor emocional e sofrimento.
Quer o seu vício esteja numa fase avançada ou numa fase inicial, certamente beneficiará de um acompanhamento especializado. Procure um psicólogo, um terapeuta ou um grupo de apoio para ajudá-lo de forma mais sistematizada e disciplinada a superar o que o atormenta.
De uma forma geral, o terapeuta ajuda os clientes a identificar causas ambientais que precipitam as emoções dolorosas e padrões de pensamentos negativos, que, por sua vez, influenciam no envolvimento de comportamentos de dependência. Para além de se incentivar na busca dos desejos genuínos, objetivos e comportamentos saudáveis, os terapeutas fortalecem os seus clientes, num processo que lhes permite alcançar a liberdade da dependência e dos comportamentos autodestrutivos.
Fonte: Miguel Lucas em Psicologia Comportamental. Natural de Portugal, o autor é licenciado em Psicologia, que exerce em clínica privada. É também preparador mental de atletas e equipes esportivas, treinador de atletismo e formador na área do rendimento esportivo.