Tentação & Autocontrole

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O manual de uma vida bem-sucedida não é segredo para ninguém – devemos comer verduras, praticar esportes, manter a calma no trabalho, economizar dinheiro. Se algum dia você já fez uma lista de resoluções de ano novo, é possível que alguns desses itens estivessem presentes nela. Mas é provável que muitos deles nunca tenham virado parte da sua rotina. Andar na linha não é tão simples quanto pode parecer à primeira vista: por trás das tentações há um intricado sistema cerebral que tenta o tempo inteiro nos levar para o mau caminho. Se vamos ceder às vontades ou não, depende do nosso autocontrole, um dos fatores mais decisivos para o desempenho da nossa vida.

A clássica imagem dos desenhos animados em que o personagem tem um anjo num ombro e um diabo no outro não é exagero. De acordo com as últimas pesquisas, é assim mesmo que nos comportamos diante das tentações. É realmente uma batalha o que acontece entre a vontade de sentir prazer imediato contra o esforço de adiá-lo. Algumas pessoas são naturalmente mais descontroladas do que outras, mas, de maneira geral, todos temos coisas que conseguimos manter nos trilhos e outras que descarrilam de vez em quando. Tem quem seja impecável no trabalho, por exemplo, mas não consiga levar uma dieta a sério. Ou quem pratique esportes regularmente, mas não aguente ser contrariado sem partir para a briga.

Mas qual é o problema de ceder às tentações? Bem, a existência do futuro. Se você soubesse que vai morrer amanhã, não teria por que guardar dinheiro ou passar o sábado à noite estudando. Nem ficar comendo salada para não entupir as veias de colesterol aos 50 anos. Essas preocupações só fazem sentido porque imaginamos que vamos viver muitos anos ainda.

Fazer tudo o que dá na telha afasta as pessoas próximas. Por isso cada grupo na história da humanidade criou suas próprias leis e códigos morais para regular sexo, drogas, comida e jogos. Na Grécia antiga, alguns prazeres eram socialmente aceitos e cultuados na figura do deus Dionísio, aquele das orgias e bebedeiras. Na Idade Média, por outro lado, quase todas as formas de prazer eram proibidas: as tentações deveriam ser punidas com penitências, e todos viviam sob a ameaça da Inquisição (Está lá no fim do pai-nosso: “Não nos deixei cair em tentação, amém”). Mas o cerceamento do prazer está presente em todas as sociedades humanas, de maneira mais ou menos radical. Esse cuidado para regular as tentações faz sentido: poucas coisas são biologicamente tão poderosas quanto a sensação de prazer.

No livro The Compass of Pleasure: How Our Brains Make Fatty Food, Orgasm, Exercise, Marijuana, Generosity, Vodka, Learning and Gambling Feel So Good (inédito no Brasil), o neurologista americano David Linden conta que mais tarde descobriu-se que não havia somente um pequeno ponto capaz de produzir prazer: havia um grupo de estruturas conectadas, todas na base do cérebro e distribuídas ao longo da linha média. Quando os neurônios dessas regiões estão ativos, incentivam a liberação de um neurotransmissor chamado dopamina, responsável pela sensação de prazer. Diversas áreas do cérebro são então inundadas pela dopamina, incluindo as que controlam as emoções, o aprendizado e, claro, o julgamento e o planejamento – ou seja, o autocontrole. A dopamina causa uma sensação de prazer tão poderosa, que você terá vontade de senti-la de novo e de novo. Por isso qualquer coisa que estimule essas estruturas cerebrais – comida, sexo, preguiça – é tão tentadora.

No cérebro tanto de viciados em drogas quanto de obesos, é comum haver um número reduzido de receptores de dopamina, o que faz com que circule mais dessa substância no corpo. A lógica é a de uma rua sem bueiros que alaga durante uma tempestade. Sem receptores para absorver a dopamina, ela sobra no cérebro. É possível que esses indivíduos tenham nascido com menos receptores – o que os tornaria mais vulneráveis ao vício, ou seja, ao descontrole. Quase todas as tentações podem potencialmente ser viciantes: a preguiça, a procrastinação, a vontade de fazer compras – e o sexo. Entre nossos antepassados, qualquer possibilidade de procriação da espécie deveria ser agarrada com unhas e dentes (literalmente) – afinal, morria-se cedo, a concorrência era braba e as ameaças eram muitas. Hoje em dia, quando a maior parte do sexo não tem função reprodutiva, muitos já aprenderam que não é qualquer noite de amor que vale a pena (recaídas com ex-namorados? Bebedeiras?). A tentação está lá, afinal o prazer sexual também libera dopamina. Mas o homem moderno já aprendeu que às vezes vale a pena evitá-la.

Geneticistas comportamentais já demonstraram que o controle é resultado tanto da genética quanto das influências do meio externo, mas ainda não conseguiram mapear os genes associados a ele. Um grupo de pesquisadores da Universidade de Ancona, na Itália, está atrás da pista de que algumas variações genéticas da enzima monoamina oxidase-A podem influenciar no controle de inibição, ligado à impulsividade. Mas a boa-nova é que não há nada absoluto. “As nossas capacidades de autocontrole têm uma variável genética, mas que não é determinante. Há bastante espaço para melhorá-lo por meio de técnicas”, diz Daniel Akst, autor do livro We Have Met the Enemy: Self-Control in an Age of Excess (sem versão em português). E esse é o grande trunfo do autocontrole.

O sucesso do autocontrole depende de muitas variáveis. Uma delas é a dificuldade que a pessoa sente em se privar de uma coisa específica. Se precisamos do autocontrole apenas porque temos planos para o futuro, é de se esperar também que a capacidade de manter o foco em um objetivo seja importante. Se você cair na primeira possibilidade de prazer imediato, não vai chegar a lugar nenhum.

Os benefícios de se segurar de vez em quando são claros. E também já foram testados, no mais famoso estudo sobre autocontrole, conduzido pelo psicólogo austríaco radicado nos EUA, Walter Mischel. Mischel elaborou um experimento bastante simples. Convidou um grupo de crianças para uma brincadeira. Elas se sentariam de frente para uma mesa, onde jazia um marshmallow, e tinham duas opções: ou esperar pacientemente durante um tempo e ganhar um segundo marshmallow, ou comer imediatamente o doce e ficar sem o segundo. Apenas um terço das crianças conseguiu esperar. Inspirados pelos testes de Mischel, pesquisadores da Universidade Duke acompanharam mil pessoas durante 30 anos, avaliando os efeitos da disciplina em sua saúde, finanças e segurança. O estudo concluiu que quem tinha problemas de autocontrole na infância (que comeria imediatamente o primeiro marshmallow, por exemplo) acabava tendo maior incidência de DSTs, dependência de drogas, problemas financeiros, filhos sem planejamento e até envolvimento em crimes.

Em seu experimento com o marshmallow, Walter Mischel fez uma observação: as crianças que conseguiam esperar pelo segundo doce utilizavam alguma estratégia de autoproibição: fosse física (sentando sobre as mãos ou escondendo o doce, por exemplo), fosse de distração (como olhando para outro lado ou cantando uma canção). Assim, ele percebeu que o autocontrole tinha menos a ver com um comportamento naturalmente “zen” das crianças, e mais a ver com uma estratégia ou esforço consciente.

Com base nestes fatos, podemos apresentar algumas dicas de ouro sobre autocontrole:

Vá com calma

O autocontrole não é infinito. Por isso não o desperdice se expondo a tentações, como ir ao bar se você quer parar de fumar e/ou beber.

Estude o inimigo

Entenda as consequências negativas de um comportamento. Bote na cabeça que, sim, cigarro mata.

Espalhe ao vento

Assuma o compromisso em público. Se você contar a todos que está prestando concurso, eles vão perguntar como vão os estudos, a data das provas…

Seja preciso

Transforme objetivos abstratos em metas. Beber menos este mês é mais concreto do que manter o objetivo de emagrecer indefinidamente.

Encare o perigo

Ensaie para não ser pego desprevenido. Assim: “Se meu parceiro me chamar para uma rodada de bebidas, eu vou falar que não posso ir”.

 

Fonte:Paula Scarpin, via Revista Superinteressante, edição 297